Outubro de 2000, Estação Rodoviária de Santos – Centro Histórico. O não-lugar, espaço de passagens e coisas efêmeras, é o ponto de partida rumo a uma viagem no tempo e nos contos e causos de pessoas em trânsito
De Aracaju, a dona de casa Maria Bispo Santos chega cansada da longa viagem. Veio visitar o filho em Santos e fazer compras no Brás, em São Paulo. Enquanto retira suas malas do bagageiro, se assusta com uma repentina correria de seguranças na rodoviária. Era um homem, jovem, com passagem pela polícia, que invadiu uma loja de lembrancinhas local. Queria somente se esconder. Alegou, com os olhos esbugalhados para a dona do comércio, que outros dois rapazes queriam matá-lo por vingança.
Outra dona de casa, Maria Socorro, de São Vicente, vai para Maceió, em 48 horas de estrada, para visitar o irmão e a tia. Disse que a saudade apertou. Genival Simão aguarda um amigo, também de Maceió, que trabalhará na temporada na Praia de Pitangueiras, em Guarujá, com venda de sorvete. Um bico de nordestino para tirar uma grana extra no litoral paulista.
A próxima viagem do motorista José Claudio da Silva, na profissão há mais de 25 anos, é para Teresina, Piauí. São 52 horas com as mãos ao volante. Experiência que mais lhe marcou: uma passageira deu à luz dentro do ônibus, na Via Dutra, entre São Paulo e Rio de Janeiro. A moça viajava sozinha para Recife, Pernambuco. Não havia médico no veículo, nem posto de saúde próximo. Silva não teve outra alternativa senão fazer o parto. “Nunca tinha feito aquilo, fiquei constrangido. Disseram que eu era herói, mas herói é Deus”, disse.
Outro motorista, Carmo de Oliveira, tem na memória uma viagem a Iguape, litoral sul de São Paulo. Motivo que não o fez a esquecer: um passageiro subiu no ônibus de joelhos e assim permaneceu toda a viagem. “Disse que era promessa”, conta. Também ficou em sua lembrança um acidente que presenciou na Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, em Itanhaém, pista sentido Mongaguá. “Vi o pessoal prensado nas ferragens sem poder fazer nada”, conta ele, finalizando a conversa para assumir seu ‘posto’, engatar a marcha e seguir viagem. Pois ali não há muito tempo para jogar conversa fora, sem hora.
O observador também segue ‘viagem’ em busca de mais histórias e seus protagonistas. Em sua visão panorâmica do não-lugar rodoviário, vê homens, mulheres e crianças, figurantes na cena real. Diversos acontecimentos, quase que simultâneos: passos rápidos de quem está com pressa; malas sendo colocadas nos bagageiros; motoristas conferindo bilhetes; abraços de despedida, outros de acolhida. Quem não parte tão cedo tira um cochilo; impacientes balançam as pernas; alguns lêem jornais, outros tomam café expresso acompanhado de misto quente.
Há quem conversa ao celular; seguranças fazem ronda; funcionários da limpeza trabalham sem cessar. Um cão caminha de um lado a outro, como se esperasse alguém. Um homem bêbado, vestindo uma camisa com a imagem de Nossa Senhora da Aparecida, grita para o segurança que tenta retirá-lo do local: “Sou trabalhador, companheiro!”.
Uma voz é emitida da caixa de som para avisar as próximas partidas: “Passageiros com destino a Peruíbe, plataforma 13; passageiros com destino a Fortaleza, plataforma 15; passageiros com destino a Três Corações, plataforma 9. Desejamos a todos uma boa viagem”.
Assim como o ônibus que se retira e dá lugar a outro, a histórias vêm e vão, embutidas em quem chega ou parte. É a vida no não-lugar, não se estabelece ali, vaza, passa, levada de 15 em 15 minutos ou de meia em meia hora, dependendo da empresa de transporte. O destino? Lugares e lugarejos do Brasil brasileiro. É hora de partir!
Adaptação de texto produzido para jornal laboratório da UniSantos, em outubro de 2000. Logo, os depoimentos aqui reunidos foram colhidos no mesmo período.
Fantasticoooooo...e a vida segue assim, cheia de idas e vidas, sempre com a bagagem da alma, do olhar diverso, a vida cheia de surpresas...nada como as viagens pra arracar sorrisos ou lagrimas, p/ emocionar seja o viajante ou o condutor.
ResponderExcluirbesitos hermana.
Muito bacana...
ResponderExcluirAdoro esses não-lugares. Quando trabalhava no centro de Santos, passava meu horário de almoço na rodoviária... ouvia pedaços de histórias como essas e imaginava o que cada uma daquelas pessoas fazia ali. Legal demais.
Parabéns pelo texto... Bem gostoso...
Maykon
http://amenidadescronicas.blogspot.com