sábado, 13 de março de 2010

Criatividade à brasileira! - I

                                                                          Fotos: Vanessa Rodrigues

                                        
De beleza singular, Oficina Brennand
é visita obrigatória em Recife

Quem pretende curtir a capital pernambucana deve aproveitar para apreciar a obra monumental do escultor, ceramista e pintor recifense, internacionalmente conhecido. Contemplar o museu é uma experiência insólita e surpreendente

Terra do frevo e do maracatu, Pernambuco tem em sua capital Recife muito além da Praia de Boa Viagem, de sua história preservada na arquitetura das antigas construções, das festas populares e de sua gente acolhedora. A Veneza brasileira, como é denominada por ser entrecortada por rios, desfruta de um lugar ímpar, que o visitante não pode deixar de conhecer: a Oficina Cerâmica Francisco Brennand, localizada na Propriedade Santos Cosme e Damião s/nº, no bairro histórico da Várzea, e cercada por remanescentes da Mata Atlântica e pelas águas do Rio Capibaribe.

A arte que nasce do barro a partir das mãos do escul-tor, ceramista e pintor Francisco Bre-nnand, 82 anos, deve ser con-templada com tempo, e vale a pena. A expe-riência visual é fascinante e difícil é ficar indiferente à beleza e à singularidade do lugar, que integra natureza, arte e arquitetura.


O trajeto até a Oficina já é inusitado - o lugar é bem afastado do centro urbano e da agitação própria de capital, e há um trecho cercado por mata, que parece não ter fim. O meio mais prático para chegar lá – principalmente para quem não conhece a cidade - é o táxi, e indica-se ao visitante combinar com o motorista de aguardar o término do passeio, por comodidade e economia.


Chegando ao local, nota-se já de fora que a paisagem do museu, imenso e rodeado de muito verde, é nada convencional. Remete a um templo sagrado com seu silêncio ou a uma grande fazenda com seus lagos, fontes e cisnes. Sim, há cisnes de verdade, criados pelo artista e que se misturam às obras. Jardins contornam a Oficina, sendo um deles idealizado pelo paisagista Roberto Burle Marx.


Repleto de simbologias, o lugar assombra por seu mistério. Ao entrar, o visitante é surpreendido por esculturas nos gramados que instigam a curiosidade. São aproxi-madamente quatro mil obras expostas, entre quadros, painéis, murais e esculturas, muitas delas a céu aberto. No total são 13 salões expositivos, onde há antigos fornos, um anfiteatro, salões principais e um show room onde estão expostos todos os modelos de pisos e revestimentos cerâmicos produzidos na fábrica, único lugar não aberto à visitação.



A primeira impressão para o leigo é de que o artista tem certo fascínio ao erotismo, já que suas esculturas chamam a atenção pelas formas fálicas e anatômicas, algumas esculpidas com rostos, seios, pernas e nádegas. Para o artista, a intenção é mais complexa: questionar o mundo, o mistério da criação, a necessidade de multiplicação. Segundo Brennand, suas obras possuem uma pesada carga sexual que sugere muito mais a rudeza e a carnificina de um parto, reportando às origens, ao grande enigma da reprodução.


Entre as peças expostas em vários recintos da Oficina, há uma quantidade enorme de ovos esculpidos e vitrificados em cerâmica, alguns fendidos, de onde saem animais de todas as espécies. “É uma sexualidade totêmica, sem artifícios morais. O meu trabalho cerâmico exclui a arte realista evitando o caráter fotográfico, como o diabo foge da cruz”, disse o artista, que também tem em seu acervo quadros retratando a sensualidade feminina.

Na fábrica, além de pisos e revestimentos também é produzida uma linha de cerâmica utilitária e decorativa, como fruteiras, jarros, pratos, entre outros. Toda a produção é comercializada em todo o país por meio de seus representantes. Quem quiser levar alguma lembrança para casa encontra uma loja no local - onde também se pode degustar um café -, com obras de cerâmica para decoração, camisetas e livros sobre o artista.

Brennand ainda trabalha por lá e quem tem sorte tira fotos com o artista – não é raro ele aparecer para conversar com os visitantes e responder a inúmeras curiosidades que suas obras provocam.

Brennand por toda Recife

Quem chega à capital de Pernambuco de avião tem o privilégio de ser ‘recepcionado’ por um mural do artista, inaugurado em 1958 no Aeroporto Internacional dos Guararapes. Mas suas criações também estão espalhadas pelas ruas da cidade. Dois grandes exemplos de obras públicas são o ‘Parque das Esculturas’, construído sobre arrecifes, em frente ao Marco Zero, no Recife antigo, e o ‘Mural da Batalha dos Guararapes’ (que trata da expulsão dos holandeses do Brasil), na Rua das Flores, bairro de São José, locais que o visitante conhece em city tour. Outra opção de contemplar o ‘Parque das Esculturas’ é fazer um passeio de catamarã pelos rios Pina e Capibaribe (realizado por empresas nos três períodos do dia), que passa em frente à obra. À noite, o local é todo iluminado. Caminhar pela Praia de Boa Viagem é outra opção para apreciar o legado de Brennand, já que boa parte dos edifícios da orla possui esculturas do artista em suas entradas.


Impressões de santistas viajantes

Estudantes e turistas de todo o Brasil e do exterior visitam o museu e saem maravilhados com a curiosa beleza do lugar, tomando conhecimento da importância de seu trabalho não só para Pernambuco, mas para o Brasil e o mundo. Entre eles, alguns santistas já tiveram a oportunidade de apreciar sua obra. “O que mais me impressionou foi a atmosfera do lugar, que une arte com natureza. Também transmite paz para você apreciar as obras com calma”, afirma o comerciante Marcos Mouta, 30 anos, que visitou o museu ano passado.

A engenheira de segurança do trabalho, Maria Ângela Gonçalves, de 53, compara-o com museus europeus. “Achei que fosse um museu com pouca expressão, mas é um cartão postal da cidade. Tem boa infraestrutura, segurança e notei preocupação com o paisagismo”. Para o casal de servidores públicos Marisol e José Antonio Cabral Garcia, 38 e 37 anos, respectivamente, a beleza do local e da obra é de encher os olhos. “É impactante logo na entrada, com grandes esculturas expostas nos jardins como se estivessem vivas. Fomos contemplados e surpreendidos com a estada do artista no dia, um senhor simpático que fez questão de explicar algumas de suas criações e nos permitiu fotografá-lo de maneira amistosa”, conta Marisol.


História

O lugar onde hoje está situada a Oficina de Brennand anteriormente era ocupado pela Cerâmica São João da Várzea, fábrica de telhas e tijolos, fundada pelo pai do artista, Ricardo Lacerda de Almeida Brennand, em 1917. O artista Francisco Brennand tomou posse da antiga fábrica em ruínas em 1971, e reformou-a com a intenção de fazer do espaço o seu lugar de trabalho.

Ele começou seus estudos de pintura em 1943, com o pintor Álvaro Amorim, um dos fundadores da Escola de Belas Artes de Recife. Depois de sua viagem a Paris, entre 1949 e 1952, após ver uma exposição de cerâmicas de Pablo Picasso, iniciou suas pesquisas cerâmicas. O artista veio de uma família de empresários, sendo ele o único a ingressar no mundo das artes.

Participou de várias exposições nacionais e internacionais, individuais e coletivas, e recebeu diversos prêmios, entre eles o Interamericano de Cultura Gabriela Mistral, concedido pela Organização dos Estados Americanos, Washington, Estados Unidos, em 1993.


Serviço - A Oficina Cerâmica Francisco Brennand funciona de segunda a quinta-feira, das 8h às 17h, e às sextas-feiras, das 8h às 16h. Fecha aos sábados, domingos e feriados. A entrada custa R$10,00 por pessoa. Para outras informações, o telefone é o (81) 3271-2466 e o site, http://www.brennand.com.br/

Texto publicado no caderno de Turismo do Jornal A Tribuna (Santos-SP), edição do dia 28.02.10.


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Minúcias: Com a simpatia peculiar de nordestino, 'seo' João, o taxista, contou muitas histórias durante o trajeto até a Oficina. Certa vez, disse ele, levou uma turista paulistana para conhecer o Museu Brennand. No percurso, conversa vai, conversa vem, percebeu que a moça começou a ficar impaciente, apreensiva, com medo. Não era pra menos: o caminho até lá passa por muitos motéis e por trecho cercado por mata, o suficiente para estranhar e duvidar do motorista. Mas felizmente a paulistana pôde respirar aliviada. Seo João estava no itinerário certo - inclusive o trajeto o faz lembrar de tempos que levava seu ‘caso’ para namorar. No bate-papo também defendeu o Carnaval de rua de Recife e Olinda, que considera ser o mais democrático, e mostrou que de sua cultura sabe muito. "Visse?!", falava, com seu sotaque típico, a expressão muito empregada entre os pernambucanos.

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